Em 1654, o bispo anglicano James Usher, pensou ser possível determinar com exatidão a data da criação do mundo. Depois de árduas investigações, chegou à conclusão que o mundo tinha sido criado no dia 6 de outubro do ano 4004 antes de Cristo. Não só fixou o dia, mas também a hora: eram 9 horas da manhã quando de repente Deus disse: “Faça-se a luz!”.
Como entre Jesus Cristo e nós se passaram outros 2.000 anos, a antiguidade do universo seria hoje de uns 6.000 anos. O bispo pôde estabelecer isto porque no livro do Gênesis temos cuidadosamente anotadas as idades de todos os antepassados da humanidade, desde Adão até Abraão. Elas somam uns 2.000 anos. Entre Abraão e Jesus Cristo são outros 2.000 anos, assim que no total perfazem os 4.000 anos.
De fato, encontramos em Gn 5 uma lista de dez patriarcas, chamados “pré-diluvianos” e em Gn 11 encontramos outro elenco de dez patriarcas, chamados “pós-diluvianos”. Estas datas e dados cronológicos de cada um dos patriarcas de fato parecem históricos, mas tem três graves tropeços: Os patriarcas são pouquíssimos, viveram muitos anos e suas idades vão diminuindo progressivamente.
Em relação ao primeiro problema, os estudos sobre a pré-história confirmaram que a antiguidade do homem na terra é muito maior que os 6.000 anos propostos pela Bíblia. O homo sapiens, antepassado do qual procede o homem moderno, remonta aos 500.000 anos. Como, então, colocar entre Adão e Jesus Cristo somente 4.000 anos de diferença?
Em segundo lugar, chama-nos a atenção a extraordinária longevidade dos patriarcas, já que a Segundo Gênesis.
Em terceiro lugar; Deus, cansado dos pecados dos primeiros homens, deu um decreto baixando a idade: “E o Senhor disse: ‘Meu espírito não ficará para sempre no homem, porque ele é apenas carne. Não viverá mais do que 120 anos” (Gn 6,3).vida do homem moderno ainda não conseguiu superar os setenta ou os oitenta anos.
Mas a ciência moderna mostra-nos o contrário. A paleontologia, por exemplo, assinala que, enquanto o homem pré-histórico tinha uma média de vida de somente 29 anos, nos tempos de Jesus chegava a 50. Nos inícios do século XIX cresceu para 55 e nos primórdios do século XX a 60. E atualmente os habitantes de alguns países industrializados têm uma expectativa de vida de 75 anos.
Então como explicar a contradição bíblica com a ciência?
Para resolver a primeira dificuldade, isto é, a pouca distância que a Bíblia coloca entre o primeiro homem e Abraão, temos de levar em conta o diferente significado que têm nossas genealogias e as bíblicas.
Para a Bíblia, uma lista genealógica é um documento de caráter jurídico que serve para legitimar determinados direitos. Daí que na lista da humanidade as palavras “pai”, “gerou”, “filho”, designam não tanto a ideia de procriação imediata mas a transmissão de um direito. Por isso não importa que sejam incompletas.
O autor bíblico precisava preencher o espaço imenso que havia entre Adão, o primeiro homem, e Abraão, o primeiro personagem do Gênesis. Os povos vizinhos preenchiam este espaço com notícias de personagens mitológicos. E aqui está a grande inovação da Bíblia: para não dar asas à imaginação e evitar a tentação de cair na idolatria, o hagiógrafo escolhe como antepassados de Israel personagens de carne e osso.
Em relação à segunda dificuldade da Longa vida aos Patriarcas, o autor sagrado estava consciente de que entre as origens da humanidade e Abraão houvesse transcorrido um tempo imenso, escolhe, para preenchê-lo, dez nomes somente, um número redondo, muito empregado na antiguidade por razões de guardar na cabeça: era mais fácil recordá-los com os dez dedos das mãos. Os dados recolhidos no relato bíblico não pretendem, pois, ter um sentido estritamente histórico, nem cronológico.
Querem, no entanto, ensinar uma verdade religiosa muito importante: promessa de um Redentor, feita em Gênesis 3,15, somente a Adão, chega até Abraão por uma cadeia ininterrupta de herdeiros. Há, pois, unidade e continuidade na história da salvação. Mais uma vez o texto bíblico trabalhou com o valor simbólico dos números, como era costume no antigo Oriente.
Finalmente nos resta analisar o terceiro problema, a diminuição progressiva das idades. Esta também é uma verdade teológica. Para os escritores bíblicos, a idade de uma pessoa e sua longa vida dependem de sua fidelidade a Deus. Assim ensina, por várias vezes, o texto sagrado. O Fato de que os patriarcas vivam cada vez menos não é um fato biológico, mas uma ideia teológica: ao ir, a humanidade, se distanciando progressivamente de Deus, as pessoas viviam menos anos.
Mas porque? Porque no Antigo Testamento não existia ainda a noção de outra vida depois desta. E, conforme essa mentalidade, não tendo Deus a possibilidade de premiar no além-vida quem tinha sido bom, recebia então o prêmio aqui na terra. É verdade que atualmente a medicina conseguiu prolongar a vida do homem sobre a terra até os 70 anos.
Segundo a mentalidade do Antigo Testamento, uma vida como a de Cristo que morreu aos 33 anos teria sido um fracasso e um sinal de maldição divina. Hoje, contudo, sabemos que o importante não é viver muitos anos, mas viver os muitos ou poucos anos que podemos, em plenitude. Viver por viver, perdurar, não implica mérito algum se não se deu um sentido à vida.
Por Reverendo Ismael Hultado
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