A cena do Evangelho de hoje é maravilhosa e todos nós temos essa mesma curiosidade: o que devemos fazer para ganhar a vida eterna? Perguntar não ofende, diz o ditado. Mas não é sempre que estamos preparados para ouvir a resposta. Jesus responde e, como o homem tem uma sede maior baseada nos prazeres que a vida poderia lhe oferecer, Ele acrescenta: “vai, vende tudo que tens e dá aos pobres. Depois vem e segue-me!” Jesus indica o que fazer com o tesouro que ele tem neste mundo. Com isso revela que o maior tesouro é ter disponibilidade para o seguir, isto é, estar com Ele, independente de suas escolhas e bens. Felizes os que ouvem o chamado e vem!
Assim, para nós, ter Jesus no coração e poder servi-lo é a maior riqueza! – O Papa São João Paulo II comentou esse episódio do Evangelho na sua carta “Veritatis Splendor” (O Esplendor da Verdade), dizendo: “Os mandamentos, lembrados por Jesus ao jovem interlocutor, destinam-se a tutelar o bem da pessoa, imagem de Deus, mediante a proteção dos seus bens em confronto com seus desejos. ‘Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho’’ são normas morais formuladas em termos de proibição.
Os preceitos negativos exprimem, uma força particular, a exigência irreprimível de proteger a vida humana, a comunhão das pessoas no matrimônio, a propriedade privada, a veracidade, o lazer e compromissos e a boa fama conquistada na sociedade em que vivemos. E aqui não podemos esquecer o Livre arbítrio.
Os mandamentos representam, portanto, a condição básica para o amor ao próximo; Constituindo assim, a primeira etapa necessária no caminho para a liberdade, Santo Agostinho assim escreveu: “importante é estar isento de crimes […] como são o homicídio, o adultério, a fornicação, o furto, a fraude, o sacrilégio, as ofensas e assim por diante. Quando alguém principia a não ter estes crimes (e nenhum cristão os deve ter), começa a levantar a cabeça para a liberdade, mas isto é apenas o início da liberdade, não a liberdade perfeita…”. Depois disso vem a gratidão pelas bênçãos recebidas.
A vocação ao amor perfeito não está reservada só para um círculo de pessoas. O convite “vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres” com a promessa “terás um tesouro no céu”, dirige-se a todos, porque é uma radicalização do mandamento do amor ao próximo, assim como o convite posterior “vem e segue-me” é a nova forma concreta do mandamento do amor de Deus. Daqueles que deixam tudo, para o seguir. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
Os mandamentos e o convite de Jesus ao jovem rico estão a serviço de uma única e indivisível caridade, que espontaneamente tende à perfeição, cuja medida é só Deus: “Sede, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5,48). Cuidado com a maldade que você pratica contra os que verdadeiramente confiam na sua pessoa.
No Evangelho de São Lucas, Jesus confirma ainda mais o sentido deste comportamento humano: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
Ao homem, não é possível imitar e reviver o amor de Cristo unicamente com as suas forças e coragem é preciso perseverança. O dom de Cristo é o Seu Espírito, cujo “fruto” primeiro (cf. Gál 5,22) é a caridade: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido” (Rm 5,5). Santo Agostinho pergunta-se: “É o amor que nos faz cumprir os mandamentos, ou é a observância dos mandamentos que faz nascer o amor?”. E responde: “Mas quem pode pôr em dúvida que o amor precede a observância? Quem, não ama está privado de motivações para cumprir os mandamentos”.
Ainda hoje em nossas famílias os bens materiais e a preocupação com eles atrapalham o seguimento de Jesus. Quais os outros desafios e resistências para o engajamento no trabalho evangelizador e missionário?
Na passagem do evangelho de hoje, Jesus aponta dois aspectos da conversão que deve ocorrer no relacionamento dos discípulos com os bens materiais (Mc 10,17-27) e no relacionamento dos discípulos entre si (Mc 10, 28-31). Para poder entender todo o alcance das instruções de Jesus, é bom olhar, novamente, o contexto mais amplo em que Marcos coloca estes textos. Jesus está subindo para Jerusalém, onde será crucificado (cf. Mc 8,27; 9,30). Ele está entregando sua vida. Sabe que vão matá-lo, mas não volta atrás. Esta atitude de fidelidade e de entrega à missão que recebeu do Pai dá a Jesus as condições de apontar aquilo que realmente importa na vida.
As recomendações de Jesus valem para todos os tempos, tanto para o povo daquela época de Jesus e de Marcos como para nós hoje, aqui e agora. Pois o que importa, em cada época, é recomeçar a construção do Reino, renovando o relacionamento humano em todos os níveis, para que esteja de acordo com a vontade de Deus. Já que nada nos acontece por acaso.
Voltemos a reflexão da liturgia de hoje que nos traz dois assuntos importantes nos ensinamentos de Jesus: (1º) Conta a história do moço que perguntou pelo caminho da vida eterna e (2º) chama a atenção para o perigo das riquezas e dos prazeres do mundo. O moço não aceitou a proposta de Jesus, pois era muito rico. Uma pessoa rica é protegida pela segurança que a riqueza lhe dá. Ela tem dificuldade em abrir mão desta segurança. Agarrado às vantagens dos seus bens, vive preocupado em defender seus próprios interesses. Uma pessoa pobre não tem esta preocupação. Mas há pobres com cabeça de rico. Muitas vezes, o desejo de possuir bens cria neles uma grande dependência e faz o pobre ser escravo do consumismo, pois ele fica devendo prestações em todo canto. Já não tem mais tempo para dedicar-se ao serviço do próximo, nem se colocar a serviço de Deus. Vamos conversar sobre isto mais um pouquinho.
Vejamos: Uma pessoa que vive preocupada com a sua riqueza ou que vive querendo adquirir coisas a qualquer custo, pode ela libertar-se de tudo para seguir Jesus e viver em paz numa comunidade cristã? É claro que Não! É impossível! Conhece alguém que conseguiu largar tudo por causa do Reino? Muitos são chamados e poucos são os escolhidos. Ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo!
Em Marcos 10,17-19: Alguém chega e pergunta: “Bom mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?” O Evangelho de Mateus informa que se tratava de um jovem (Mt 19,20.22). Jesus responde bruscamente: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus!” Jesus desvia a atenção de si mesmo para Deus, pois o que importa é fazer a vontade do Pai, revelar o Projeto do Pai. Em seguida, Jesus afirma: “Você conhece os mandamentos: não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, não defraudar ninguém, honrar pai e mãe”. O jovem tinha perguntado pela vida eterna. Queria a vida junto de Deus! E Jesus só lembrou os mandamentos que dizem respeito à vida junto do próximo! Não falou dos três primeiros que definem o relacionamento com Deus! Para Jesus, só conseguimos estar bem com Deus, se soubermos estar bem com o próximo. Não adianta se enganar. A porta para chegar até Deus é o próximo. Que isso fique bem claro, é o nosso próximo.
Em Marcos 10,20: O moço responde que observa os mandamentos desde a sua juventude. O curioso é o seguinte. O rapaz tinha perguntado pelo caminho da vida. Ora, o caminho da vida era e continua sendo: fazer a vontade de Deus conforme expressa nos mandamentos. Quer dizer que ele observava os mandamentos sem saber para que serviam! É como muitos católicos que não sabem para que serve ser católico. ”Nasci no Brasil, por isso sou católico!” Coisa de costume! Ser católico é a religião certa, mas não vivem o que Jesus ensinou! Frequentam um culto, vão a igreja, assistem missas, comungam, mas distorcem o amor ao próximo, principalmente quando se fala em propagar a palavra. Colocam-se distantes uns dos outros e deixam de propagar o amor que deveria reinar entre todos os credos. Ficam surdos e ao chamado de Deus.
Marcos 10,21-22: Jesus olhou para ele, e lhe disse: Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu, e em seguida vem e segue-me! A observância dos mandamentos é apenas o primeiro degrau de uma escada que vai mais longe e mais alto. Jesus pede mais! A observância dos mandamentos prepara a pessoa para ela poder chegar à doação total de si a favor do próximo. Jesus pede muito, mas ele o pede com muito amor. O moço não aceitou a proposta de Jesus e foi embora, “pois era muito rico e as coisas que pensavam em fazer se tornaram mais importantes, do que servir o Mestre dos mestres e segui-lo como Jesus desejava”.
Marcos 10,23-27: Depois que o moço foi embora, Jesus comentou a decisão dele com seus discípulos: Como é difícil um rico entrar no Reino de Deus! Os discípulos ficaram admirados. Jesus repete a mesma frase e acrescenta: É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus! Esta última expressão era um provérbio que não pode ser tomado ao pé da letra. Nós também temos provérbios assim que não podem ser tomados ao pé da letra. Por exemplo: “dar nó em pingo d’água”, “entrar pelo cano”, “perder a cabeça”. O provérbio do camelo e do buraco da agulha se usava para dizer que uma coisa era quase impossível e inviável.
Os discípulos ficaram chocados com a afirmação de Jesus! Sinal de que não tinham entendido a resposta de Jesus ao moço rico: “Vai, vende tudo, dá para os pobres e vem e segue-me!” Como dissemos, o moço tinha observado os mandamentos, entendia de religião e seguia os mandamentos, mas sem entender o porquê da observância. Algo semelhante estava acontecendo com os discípulos. Eles tinham abandonado todos os bens conforme Jesus tinha pedido ao moço, mas sem entender o porquê do abandono! Se tivessem entendido, não teriam ficado chocados com a exigência de Jesus. Quando a riqueza ou o desejo da riqueza ocupa o coração e o olhar, a pessoa já não consegue perceber o sentido da vida e do evangelho. Só Deus mesmo para ajudar! Pois para Deus nada é impossível.
A frase É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino! Trata-se, não da entrada no céu depois da morte, mas sim da entrada na comunidade ao redor de Jesus. Porta estreita das muralhas que serviam as cidades na época de Jesus. Para não dar volta, e entrar pelo portão principal, entrava com toda comitiva, por estes portões apertados, inclusive os camelos com muito esforço, apelidados de buracos de agulhas.
Marcos 10,28-31: Por isso Pedro pergunta: “Olha, nós deixamos tudo e te seguimos. O que é que vamos ter?” Apesar do abandono, eles mantêm a mentalidade anterior. Não entendem o sentido do serviço e da gratuidade lhes oferecida, da oportunidade que possuíam em seguir Jesus. Abandonaram tudo para ter algo em troca. A resposta de Jesus é simbólica e deixa entrever que não devem esperar vantagem, nem segurança, nem promoção de nada. Devem acreditar, ter fé e confiança nos propósitos de Deus que tudo sabe, até o que está previsto para o nosso futuro. Com certeza Jesus sabia o verdadeiro destino daquele Jovem, muito aplicado a religião, mas distante do reino de Deus. Ele optou pelos prazeres da vida.
Por isso, havia vários movimentos de jovens e adultos em busca de Jesus, e muitos procuravam uma nova maneira de viver e conviver em comunidade: essênios, fariseus e, mais tarde, os zelotes. Ficavam sabendo que dentro da comunidade de Jesus, havia algo novo que a diferenciava dos outros grupos. Era a atitude frente aos pobres e excluídos para alcançar a vida eterna. Porém abrir mão de tudo, para o seguir, éra difícil demais e escolhiam outros caminhos.
Jesus e a sua comunidade, ao contrário de muitos pregadores e profetas, vivia misturado com as pessoas excluídas, pessoas consideradas impuras: publicanos, pecadores, prostitutas, leprosos, doentes, desprezados e ignorantes. Jesus conhecia a riqueza e o valor que os muitos possuíam e reconhecia suas integridades comportamentais, sabia em quem podia confiar. Proclama-os felizes, porque o Reino é deles, dos pobres, dos sofredores. Define sua própria missão como “anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo veio ao mundo e vive como pobre. Não possui nada para si, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça (Lc 9,58). E a quem quer segui-lo para conviver com ele manda escolher: ou Deus, ou o dinheiro! (Mt 6,24). Manda fazer opção pelos pobres! E Não, Aos prazeres da vida (Mc 10,21).
A pobreza, que caracterizava a vida de Jesus e dos discípulos, caracterizava também a sua missão. Ao contrário dos outros missionários, os discípulos de Jesus não podiam levar nada, nem ouro, nem prata, nem duas túnicas, nem sacola, nem ,mesmo suas sandálias (Mt 10,9-10). Deviam confiar é na hospitalidade de quem os acolhiam (Lc 9,4; 10,5-6). E caso fossem recebidos com amor pelo povo, deviam trabalhar como todo o mundo e viver do que receberiam em troca (Lc 10,7-8). Além disso, deviam tratar dos doentes e necessitados (Lc 10,9; Mt 10,8). Então podiam dizer ao povo: “O Reino chegou!” .
Por outro lado, quando se trata de administrar os bens, aquilo que chama a atenção nas parábolas de Jesus é a seriedade que ele pede no uso destes bens. Jesus quer que o prazeres esteja a serviço da vida (Lc 16,9-13). Para Jesus, ser pobre não é sinônimo de relaxado e descuidado. Buscai primeiro as coisas de Deus que as demais, aquilo que você tanto desejas, vos serás acrescentado.
Esse testemunho diferente a favor de todos, era o passo que faltava no movimento popular da época. Um movimento se levantava para renovar a Aliança, e eles a recomeçam restabelecendo o direito dos excluídos. Sem isto, a Aliança não se refaz! Assim faziam os profetas, assim fez Jesus. Ele denuncia o sistema antigo que, em Nome de Deus, excluía os pobres, as crianças, os fracos e oprimidos pela sociedade que viviam. Jesus anuncia um novo começo que, em Nome de Deus, acolhe os excluídos. Este é o sentido e o motivo da inserção e da missão da comunidade de Jesus no meio dos seus escolhidos. Ela atinge a raiz e inaugura a Nova Aliança em favor daqueles que são capazes de deixarem tudo. Mesmo quando todos os obstáculos e a própria ingratidão de um dos seus, colabora para seus desafios maiores, enfrentar a cruz que o aguardava.
Direto da Redação da Santa Missa em seu Lar
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