No início da Quaresma, a Palavra de Deus nos convida a repensar as nossas opções de vida e a tomar consciência das “tentações” que nos impedem de renascer para a vida nova, para a vida de Deus. É preciso acolher a proposta de salvação que Deus faz através de Jesus e aderir a essa comunidade de irmãos “justificados” pela bondade e amor de Deus. A salvação não é uma conquista nossa, mas um dom gratuito de Deus. É preciso, pois, “converter-se” a Jesus, isto é, reconhecê-lo como o “Senhor”.
O evangelista Lucas por sua vez nos mostra que Jesus está no início de sua atividade pública após ser batizado por João Batista no Jordão. Com o Espírito Santo, Jesus se põe em missão. No caminho se depara com propostas contrárias ao Reino de Deus e sua atividade messiânica. O demônio põe Jesus à prova, tentando afastá-lo dos planos de Deus. Tenta seduzir o Senhor por três vezes e em nenhuma delas, mesmo oferecendo coisas grandiosas, Jesus se deixa levar pelas promessas sedutoras do inimigo.
As três tentações resumem as tantas situações que Jesus encontrou ao longo de sua vida. Venceu todas elas, dando exemplo para seus discípulos que, assim como Ele, seriam tentados. Por isso, que todos nós somos constantemente tentados. Ninguém ficará imune das tentações. O próprio Jesus previu isso! É preciso, como Ele, não se deixar vencer pelas armadilhas do inimigo. O diabo nos apresenta propostas das mais sedutoras possíveis e, se não estivermos cheios do Espírito Santo, cairemos facilmente. Precisamos nos encher do Santo Espírito, como Jesus, para termos forças e vencermos qualquer tipo de proposta que vá contra o projeto que Deus tem para seus filhos.
Após uma sequência de oito domingos, a liturgia interrompe o tempo comum para viver e celebrar um de seus tempos mais fortes, a quaresma, iniciada na quarta-feira de cinzas, em preparação à Páscoa do Senhor. Hoje, celebramos o primeiro domingo deste tempo especial. Como acontece todos os anos, o evangelho do primeiro domingo da quaresma compreende a narrativa das tentações pelas quais passou Jesus no deserto, após ser batizado. Esse é um episódio presente nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), um dado que confirma a sua grande importância para as comunidades primitivas. Neste ano, especificamente, nós lemos a versão do Evangelho segundo Lucas: 4,1-13; se trata de um texto bastante rico, muito bem elaborado tanto do ponto de vista literário quanto teológico, com uso abundante de linguagem simbólica.
Marcado por forte, o relato evangélico de hoje corre o sério risco de ser mal compreendido, devido a nossa tendência equivocada de considerar os evangelhos como livros de crônicas da vida de Jesus, esquecendo o aspecto simbólico que predomina neste tipo de relato. Por isso, é necessário, a nível de introdução, fazer alguns considerações a mais, que considero importantes para uma adequada compreensão.
Lucas, com muita criatividade e atendendo às necessidades da sua comunidade, “criou” a história que lemos hoje na liturgia. A nível de contexto, é imprescindível recordar que o relato das tentações aconteceu, imediatamente, após o batismo de Jesus – cf. Lc 3,21-22 – e, por isso, ambos estão intrinsecamente relacionados. Ainda antes do batismo, João tinha anunciado Jesus como o Messias, em sua pregação. Ora, no batismo o Espírito Santo desceu sobre Jesus e, do céu, o próprio Pai o declarou como o seu “Filho Amado”. O principal objetivo do evangelista com esse episódio é apresentar Jesus como o enviado de Deus, ou seja, o “Filho amado do Pai”, conforme a revelação no batismo, cena anterior ao texto de hoje (cf. Mt 3,16), o qual permanecerá fiel aos propósitos do Pai, rejeitando todas as propostas que não condizem com os valores do Reino, sintetizadas aqui pelas três tentações apresentadas pelo diabo. Portanto, esse é um texto programático para a comunidade cristã.
A ida de Jesus ao deserto, antes de tudo, indica que Jesus está inserido na história do povo de Israel, fazendo parte desse e, portanto, sujeito aos mesmos riscos pelos quais Israel passou, desde a saída do Egito até a conquista da terra prometida. Logo, também o caminho de Jesus, do nascimento à ressurreição, é marcado por riscos, perigos e provas, uma vez que Ele, mesmo sendo o “Filho Amado” de Deus, é verdadeiramente homem. Embora o deserto evoque a provação, é também o lugar ideal para o bom relacionamento com Deus, por isso, quando o povo demonstrava infidelidade, os profetas apresentavam a necessidade de retornar ao deserto para voltar a viver o ideal da aliança.
Uma vez que o deserto é sinônimo de provação e perigo, o evangelista quer dizer que aquele que tem a sua vida conduzida pelo Espírito, não está imune aos perigos da vida, não é uma pessoa blindada. Por isso, “Ali foi tentado pelo diabo durante quarenta dias. Não comeu nada naqueles dias e, naturalmente, sentiu fome”. O protagonista da tentação é o diabo, que literalmente significa aquele que divide e atrapalha, como é tudo o que se opõe à concretização do Reino de Deus no caminho de Jesus. Logo, o diabo não é uma pessoa ou um ser específico, mas todo percalço posto diante do projeto de Deus; muitas vezes é a própria estrutura das comunidades que teimam em ofuscar o Evangelho. Agindo pelos próprios impulsos da maldade, em prol de uma falsa felicidade, que não durará, até que a pessoa caia na real, do absurdo que a si mesmo promoveu.
As três tentações ou provas são proposta e contraproposta de como o ser humano deve relacionar-se com as coisas, com o próximo, sem desprezar Deus. O diabo apresenta a lógica da ordem vigente, seja religiosa ou política, e Jesus propõe um caminho alternativo, o que vai caracterizar o Reino de Deus como uma sociedade alternativa a todas formas de organização social até então experimentadas pela humanidade, amparadas ou não pela religião.
Confiemos meus irmãos e irmãs na presença e força de Deus e seremos capazes de não nos desviarmos do caminho ao sermos chamados para o servir. Que o Espírito Santo nos ilumine e nos oriente, de modo especial neste tempo quaresmal, para continuarmos seguindo os passos de Jesus e não cairmos em tentação. Que Ele nos livre das armadilhas do inimigo e de toda espécie do mal.
Direto do Programa Palavra de Fé
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