“Há regras que não se fundamentam no amor de Deus”
O Evangelho de hoje, nos regata com um dos trechos mais significativos de Marcos: a discussão sobre o que é puro e o que é impuro (Mc 7,1-23). Ora, os discípulos se puseram a comer sem lavar as mãos. E lá, naquela oportunidade, estavam alguns vizinhos piedosos, da irmandade dos fariseus, acompanhados de professores de teologia (escribas), vindos da capital, de Jerusalém. Logo se intrometeram, dizendo que era proibido comer sem lavar as mãos. (Como também se deviam lavar as coisas que se compravam no mercado, os pratos e tigelas e tudo o mais.)
Diante da implicância, Jesus acha tudo aquilo exagerado, sobretudo porque dão a isso um valor sagrado, desnecessário no seu ponto de vista. Na realidade, a piedade do povo de Israel era relativamente muito simples. Religião complicada era a dos pagãos, que viviam oferecendo sacrifícios e queimando perfumes para seus deuses, cada vez que desejavam alguma ajuda ou queriam evitar um castigo.
Mas a religião de Israel era sóbria, pois conheciam um único Deus e Senhor. Consistia em observar o sábado, oferecer uns poucos sacrifícios, pagar o dízimo e ofertas, e sobretudo, praticar a lealdade (amor e justiça) para com o próximo.
Jesus quis sempre ensinar o que Deus quer de cada um de nós. A Lei era uma maneira para “sintonizar” com a vontade de Deus. E Jesus respeita a Lei, melhorando-a para torná-la mais de acordo com a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem-estar do ser humano. Isso para Jesus é o essencial. A verdadeira sintonia com Deus, a verdadeira piedade é o amor a Deus com seus filhos e filhas e estes com seu semelhantes. Práticas piedosas que não era seguida por seres que eram doentios e/ou hipócritas.
Então refletimos na liturgia deste domingo: que é de dentro do nosso coração que saem as impurezas, más intenções e toda a maldade que se exteriorizam por meio das nossas ações diante de nossos semelhantes. E aí eu coloco a ingratidão como a mais terrível injustiça da falta de pureza de coração de pessoas que se dizem religiosas. Enquanto estamos servindo ótimo, quando temos outras ambições, adeus e ate logo é o que percebemos nos ingratos, que conspiram e cospem no prato que um dia comeram, para se sentirem felizes em suas novas condições de vida. Tornam-se hipócritas.
Jesus estava cheio de razão! E, nos adverte para que não valorizemos as pessoas ao nosso redor a partir das aparências, nem sejamos enganados pela falsidade das palavras, dos atos dos incoerentes, dos mal agradecidos. Às vezes nós nos impressionamos com as pessoas que se apresentam a nós, lobos, vestidos de pele de cordeiros, irrepreensíveis, no vestir, no falar, no comportar-se, no entanto, debaixo de tudo isso há um espírito de maledicência, de podridão, de julgamento, de orgulho.
O mundo lhes ditam regras e comportamentos, etiquetas que se desvirtuam completamente dos pensamentos de Deus, e os arrastam prometendo o mundo e o fundo ao mundo mesquinho em que vivem.
O preceito de Deus é Amor ao próximo. Quantas vezes nós esquecemos isso para seguir as regras e as tradições que o mundo conservador nos prega, para seguirmos nosso próprio impulso!
Jesus nos instrui a fazer tudo de coração e espírito contritos, com simplicidade e com naturalidade, amando nosso próximo, como a nós mesmos. Até o louvor que sair da nossa boca deverá ter ressonância dentro do nosso coração, pois, do contrário, tudo que os nossos lábios entoarem será vão e desnecessário.
Em vez de mãos lavadas, o nosso Deus prefere um coração limpo. – Você dá valor a formalidades e regras? – O que você fala é o mesmo que você pensa? Você dá muita importância à sua aparência e ao que as outras pessoas pensam de você? – Você tem um coração contrito? Você fala sempre a verdade? |Você vive de aparências?
Diz o texto que “Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado” (vv. 1-2). Já fazia algum tempo que Jesus era considerado uma pessoa perigosa para a religião judaica, devido a sua maneira autônoma e livre de interpretar os costumes e tradições do seu povo, colocando sempre o bem da pessoa humana acima de qualquer norma estabelecida.
Por isso, seu ministério era monitorado pelas autoridades religiosas de Jerusalém que, informadas pelos fariseus da Galileia, enviavam comitivas para fiscalizar e conferir o seu comportamento, considerado, fora dos padrões estabelecidos pela religião e a cultura da época (cf. Mc 3,22).
O foco da denúncia é o comportamento de alguns discípulos, acusados de não observar as leis de pureza relativas à alimentação. A acusação é de que os discípulos comiam sem antes lavar as mãos. A prática de lavar as mãos antes da refeição não era uma regra de higiene, como é hoje, mas um preceito religioso: deixar de lavar as mãos tornava a pessoa impura e, por isso, distante de Deus. A não observância desse preceito pelos discípulos e, certamente também por Jesus, era uma denúncia religiosa fundamentalista e excludente, que reduzia a relação com Deus e seus mandamentos.
O mestre Jesus tinha o dever de responder pelo comportamento dos seus discípulos; por isso, vendo nesses um comportamento irregular, fora dos padrões estabelecidos, os vigilantes da religião pedem satisfações: Perguntando então a Jesus: ‘Porque os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, e comem o pão sem lavar as mãos?” (v. 5). Mais que um simples questionamento, essa pergunta contém uma grave acusação: os discípulos de Jesus não seguem as tradições dos pais!
Ora, além dos mandamentos, principalmente do Livro de Levítico, os judeus mais fiéis, como os fariseus, seguem as leis da “tradição oral”; a essa tradição, eles atribuíam o mesmo valor da lei transmitida por Moisés, o qual a transferiu para Josué e depois aos sucessivos chefes religiosos. Deixar de cumprir um só daqueles preceitos era ofender a Deus e desonrar os seus antepassados.
À essa pergunta acusatória, “Jesus respondeu: ‘Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (v. 6-7).
A resposta de Jesus se fundamenta na herança mais autêntica da religião de Israel: a profecia! Ele cita Isaías 29,13, denunciando a falsidade da religiosidade dos fariseus e mestres da lei, ao mesmo tempo provocando-os a buscar uma religião autêntica, vivida a partir de dentro, ou seja, do coração.
Ao chamar os fariseus e mestres da lei de hipócritas, Jesus denuncia que toda aquela religiosidade não passava de encenação, era um mero espetáculo, como é toda religião que, independente da sua época histórica, prioriza o rito e o preceito em vez de pregar o exercício do amor, da justiça e da misericórdia. Jesus atualizou a denúncia profética de Isaías e o evangelista Marcos convida os seus leitores de todos os tempos a fazer o mesmo.
“Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: “Escutai, todos, e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (vv. 14-15). Com esse ensinamento, Jesus decreta a inutilidade e ineficiência dos ritos então pregados e ensinados de purificação e proclama que a relação do ser humano com Deus não depende de fatores externos, mas simplesmente do interior, ou seja, do seu coração.
O mal não entra de fora no ser humano por contato com pessoas, coisas, lugares e alimentos, mas pode nascer de dentro quando o amor não é cultivado no coração, como ele mesmo afirma, na sequência: “Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, ingratidão, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (vv. 21-22).
Esses elementos citados constituem o que pode realmente tornar o ser humano impuro, ou seja, longe de Deus, e são típicos de quem se fecha ao amor e à justiça; porque depende somente do coração da própria pessoa. Por “falta de juízo”, até de caráter, o último dos males elencados, entende-se o egoísmo desenfreado que faz a pessoa pensar somente em si, nos seus prazeres infernais e abandonar o projeto que Deus tinha para ele, para sua vida.
Assim, como “todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (v. 23), a boa religião para Jesus é aquela que ajuda o ser humano a promover o bem e ser, a cada dia, uma pessoa melhor. O ser humano é impuro quando não permite que de seu coração saiam coisas boas. Nenhum rito ou norma é capaz de determinar a relação com Deus, nem de determinar a bondade do ser humano, mas somente a disposição interior de fazer sempre o bem, porque nada nos acontece por acaso. Somos convidados hoje não apenas a ouvir, mas colocar em prática a Palavra de Deus. Ela nos propõe princípios que favorecem a vida do povo e nos previne contra uma religiosidade de aparências.
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